Mês de prevenção do suicídio traz ainda ideias erradas sobre tema

Criado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina (CFM) para ressaltar a importância da prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo requer atenção em sua longa duração, alertam especialistas. CAMILA APPEL/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) Na maior parte do mundo, a data é marcada no 10 de setembro, o Dia Mundial de Prevenção […]

Criado pela Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina (CFM) para ressaltar a importância da prevenção ao suicídio, o Setembro Amarelo requer atenção em sua longa duração, alertam especialistas.

CAMILA APPEL/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Na maior parte do mundo, a data é marcada no 10 de setembro, o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde em parceria com outras instituições internacionais relacionadas à saúde mental, em 2003, para discutir o tema de forma responsável e acolhedora. O limite entre informar e aterrorizar, afinal, é tênue. E dedicar um mês todo ao tema aumenta o risco de acionar gatilhos, alerta Karen Scavacini, fundadora do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio.

“Na minha visão, hoje, um mês é muito. Isso só ocorre no Brasil. Nos outros países tem o Dia Mundial, ou no máximo, uma semana, nunca o mês inteiro. Precisamos pensar qual é a mensagem que está sendo passada. É mais importante mostrar ações, como as pessoas podem ajudar, do que apenas focar em números.”

Um dos cuidados é não espalhar mitos prejudiciais, como eventuais estatísticas relacionando a pandemia com o aumento do suicídio. Com a quarentena pelo coronavírus, tornaram-se recorrentes inferências em função da maior vulnerabilidade sugerida por esse isolamento, e aumento de distúrbios mentais, que são um fator de risco, mas ainda sem dados oficiais a respeito. Números falsos podem gerar pânico. A solução não é evitar o tema, e sim ter atenção. Scavacin frisa que o Setembro Amarelo tem o papel crucial de abrir um diálogo com a sociedade e colocar a questão como um problema de saúde pública, além de combater mitos como o de que falar sobre suicídio pode incentivá-lo.

“Com medo de perguntar sobre ao assunto e assim ‘dar a ideia’, muitos pais se fecham. Isso é um mito. Ter um canal de escuta, falar abertamente, é importante.”

Ela diz que o mais eficaz seria ter um plano nacional de prevenção do suicídio, em que os profissionais pudessem ser capacitados no assunto e as escolas montassem espaços de educação em prevenção da violência escolar, um dos fatores de suicídio. “Não adianta fazermos campanha se ela não tiver objetivo claro, se a mensagem não for segura para o público alvo e se não puder ser avaliada depois”, afirma Scavacini, acrescentando ser importante criar uma central de ajuda específica para suicídio, já que o CVV – Centro de Valorização da Vida, é aberto para todos os tipos de sofrimento.

Em um período dedicado ao assunto, é necessário também ter cuidados ao criar campanhas ou divulgar informações em redes sociais sem aferir a fonte, a solidez da afirmação, os slogans criados e o bem ou mal que possam causar. Afinal, não se sabe como a pessoa receberá a mensagem. Segundo o psiquiatra Neury Botega, sinais de alerta nem sempre são claros. “É fácil achar os sinais depois que o fato ocorreu, mas, de um modo geral, são os sinais de uma pessoa que não está bem.”

Ele frisa a importância da atenção a mudanças de comportamentos ao longo do tempo, como um jovem sociável que passa a se trancar, mas alerta que há erro na afirmação de que a pessoa que se mata sempre dá sinais.

“Além de errado, é uma violência com as pessoas enlutadas. Eu mesmo, como psiquiatra com experiência nessa área, já tive que amargar a perda de um paciente que não deu absolutamente nenhum sinal.”

Outra alegação incorreta, diz, é afirmar que um diagnóstico psiquiátrico é possível em 90% dos casos.

“Pesquisas mais recentes indicam que, em aproximadamente 50% dos casos, havia um transtorno mental entre os fatores que se combinam para levar uma pessoa a própria morte. Não é tão somente a existência de um transtorno mental que causa um suicídio mas a combinação de vários fatores.”

Teresinha Máximo perdeu uma filha de 19 anos por suicídio em março de 2017. Ela tinha depressão, ansiedade e fobia social. Procurou diversos tratamentos, teve dificuldade para encontrar um psicólogo com quem se identificasse, chegou a ser internada.

Com o marido, Joseval, Teresinha participou de campanhas e eventos do Setembro Amarelo em 2017, 2018 e 2019, mas neste ano se diz reticente: “A campanha cresceu muito e hoje virou uma salada. Todo mundo é especialista nesse mês”. Joseval sente o mês de forma desagradável. “No primeiro ano, em 2017, achei fantástico. De dois anos pra cá, passei a ver a comunicação feita de forma terrível. Já no final de agosto, eu comecei a ficar tenso. É doloroso para mim.”

O casal fica particularmente magoado quando escuta que 90% dos suicídios poderiam ser evitados. “Quando eu posso, corrijo. Eu pergunto, de onde você tirou essa informação? Virou um slogan: 9 de 10 suicídios poderiam ser evitados. É muito sensacionalismo”, reclama. “Já falaram para mim: se a Marina estava em tratamento e 90% é evitável, por que ela se matou? Se a medicina está tão avançada, porque os suicídios continuam acontecendo e aumentando? Onde está o erro? Não há só um fator.”

Segundo o psiquiatra Botega, “a interpretação errônea de uma famosa revisão de casos de suicídio pela OMS, há 17 anos, faz muitos comunicadores afirmarem que 90% dos suicídios podem ser evitados”. “Isso beira o desastroso, pois nenhum estudo científico sério chegou perto desse número”, afirma ele.

Nos grupos de apoio para enlutados por suicídio, compartilha-se vídeos polêmicos. Entre eles, o de duas meninas, de 4 e 3 anos, com fitinha amarela nos cabelos, e um texto decorado sobre prevenção do suicídio com conceitos distantes da realidade delas. “As pessoas encaminharam esse vídeo achando que estão fazendo a parte delas no mês. A mensagem não era ruim, mas a forma me incomodou. Era puro marketing, era apelativo”, disse Teresinha.

Em outro vídeo, a diretora de Recursos Humanos de uma multinacional diz que as pessoas com depressão ficam sem coragem de enfrentar a vida. “As pessoas não percebem a mensagem que isso passa. Como um funcionário com depressão vai agora dizer ao RH que ele ta com depressão e pedir uma licença médica se a própria diretora acha que essa pessoa está sem coragem pra enfrentar a vida?”, questiona Teresinha. Alguns pais deixam os grupos de apoio neste mês para para se protegerem de afirmações daninhas.

Em um dos eventos de que o casal participou no ano passado, por exemplo, uma líder religiosa, escritora, disse que o lugar que mais morrem pessoas é no leste europeu porque lá “o pessoal é ateu”. “Ela falou que as pessoas se matam porque não são religiosas, ou porque estão solteiras, então todo mundo tem que ter família. E ainda afirmou: é claro que as famílias têm que ter vergonha para falar sobre o assunto.”

Teresinha e Joseval não têm. Fundaram uma página na internet com informações confiáveis e relevantes sobre luto por suicídio, “Nomoblidis”. O nome é uma homenagem: em seu perfil do whatsapp, a filha Marina usava a frase em catalão “Si us plau, no m’oblidis”, traduzido como “por favor, não me esqueça”.

Foto: Eduardo Knapp/Folhapress

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