Cárcere privado, “quarto zero”, algemas e condições precárias de higiene. Foram nessas condições que a filha de uma prefeita do interior do Paraná e estudante de medicina em uma faculdade particular de Maringá foi resgatada pela Polícia Civil de uma clínica de reabilitação na cidade de Antonina, no último dia 26 de março.
Em depoimento para as autoridades policiais, a jovem contou que chegou na clínica em uma quinta-feira de carnaval e estava em um bloco com o namorado quando foi para a casa do irmão e foi trazida a força para a cidade litorânea.
“Que a avó ia dar dinheiro para ir para o Rio de Janeiro; que queria mudar para lá; que ligou para o irmão e perguntou se podia pegar as coisas dela e ele disse que sim; que quando chegou, tinha gente para tudo que era lado segurando e agredindo a depoente; que uma mulher que estava lá segurou e a depoente deu um soco nela; que quando entrou no carro, estava tentando quebrar o vidro porque queria sair”, cita um dos trechos do documento.
Ainda segundo a vítima, durante o trajeto para a clínica um dos funcionários que estava no carro a ofereceu um cigarro de maconha para que ela se acalmasse e que chegou na clínica “chapada”.
“Que a mãe falou ‘eu estou contigo nessa’; que retrucou ‘você nunca mais vai me ver na sua vida depois dessa’; que perguntado como chegou na clínica, respondeu que chegou “chapada”; que perguntado se queria ficar internada, respondeu que ‘óbvio que não, eu tenho minha faculdade para fazer, eu queria estar fazendo a minha faculdade lá em Maringá’”, relatou a estudante de medicina.
Já ao ser questionada sobre o tratamento dentro da casa, a paciente informou que ficava de uma a três dias no “quarto-zero”, um espaço fechado e sem ventilação, onde ela ficava amarrada e fazia as necessidades em um balde, utilizando o edredom para fazer a higiene. “Que fica refletindo por que está na clínica, se não há motivo algum para estar ali; que as necessidades fazia no quarto; que tinha um balde ali; que limpava com o edredom; que hoje deixaram um papel e absorvente porque está menstruada; que eles pensaram ‘já que está menstruada, melhor deixar um papel'”, diz em outra parte do inquérito.
Conforme o delegado da PCPR Emmanuel Lucas Soares, o responsável pela clínica foi autuado por manter as pacientes sem atender aos requisitos legais necessários, configurando o crime de cárcere privado.
As investigações revelaram que, embora as pacientes não estivessem confinadas em ambientes fechados ou em condições degradantes no momento da abordagem desta quarta-feira, suas internações não foram comunicadas ao Ministério Público, como exige a legislação.
“O Ministério Público do Paraná acompanhou a operação, requisitou documentos da clínica e emitiu uma recomendação para sua interdição, além de solicitar judicialmente a suspensão das atividades”, explica.
As vítimas, que foram resgatadas com o apoio da Assistência Social de Antonina, passaram por acolhimento inicial e iniciaram o processo de reintegração com suas famílias após acompanhamento médico e psicossocial.
Durante a ação, as vítimas relataram maus-tratos praticados pelos funcionários da clínica. Testemunhas confirmaram a existência de um ambiente conhecido como “quarto zero”, utilizado para isolar pacientes desobedientes, onde elas eram obrigadas a fazer suas necessidades fisiológicas em baldes e, por vezes, eram algemadas. Além disso, as internas tinham seus contatos com familiares monitorados e frequentemente interrompidos.
Além da estudante de medicina, outras 14 mulheres foram resgatadas em situação de cárcere privado. Duas pessoas chegaram a ser presas em flagrante, mas responderão o processo em liberdade.
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