O governo apresentou uma proposta que, na avaliação de técnicos do Congresso, poderá travar projetos econômicos apresentados por deputados e senadores.
THIAGO RESENDE E BERNARDO CARAM/BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Pelo dispositivo, projetos que reduzam a arrecadação dos cofres públicos serão encaminhados ao Ministério da Economia para uma avaliação sobre o efeito fiscal.Esse mecanismo foi inserido na proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021, que está em tramitação no Congresso. A LDO define as regras para elaboração e alterações no Orçamento.
“A prevalecer o texto do projeto [da LDO], as proposições com origem no Congresso Nacional estariam sujeitas a uma manifestação prévia de outro Poder”, diz nota técnica do Legislativo.
Para os técnicos, isso é irregular, pois o Congresso deixaria de ser independente. Deputados e senadores têm a prerrogativa de apresentar propostas legislativas inclusive na área econômica. A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que atos que criarem ou aumentarem despesas deverão apresentar estimativa de impacto fiscal, comprovação de que a meta não será afetada e compensação por meio de aumento de receita ou corte de outro gasto.
A norma, no entanto, não estabelece que proposições apresentadas pelo Legislativo precisam passar por validação prévia do Executivo. O auxílio emergencial, que tem custo aos cofres públicos, por exemplo, foi anunciado pelo governo, mas foi incluído num projeto de iniciativa parlamentar. O benefício emergencial foi criado para atender trabalhadores informais e desempregados durante a pandemia do novo coronavírus.
Procurado, o Ministério da Economia disse que o objetivo do projeto da LDO é adotar o critério de responsabilidade fiscal para o debate de políticas públicas com impacto no aumento de despesas ou na redução de receita. A pasta alega ainda que esses princípios já fazem parte da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e na LDO de 2020. No entanto, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020 é muito mais enxuta, com apenas um artigo sobre o tema, e com um dispositivo que, segundo técnicos do Congresso, deixa claro que a medida vale apenas para projetos apresentados pelo Executivo.
O plano do ministro Paulo Guedes (Economia) para a LDO de 2021 é que os projetos que mexem com tributos, taxas e outras formas de arrecadação estejam acompanhados de um estudo sobre o impacto da medida e mostrar que a proposta não irá dificultar o alcance das metas fiscais no ano. No caso de mudança em tributos recolhidos pela Receita Federal (que representam quase a totalidade da arrecadação da União), o órgão precisaria dar uma declaração formal sobre o projeto de lei _não há prazo para isso.
Em outro trecho da proposta de LDO, o governo quer que projetos legislativos que possam resultar em corte de receita sejam encaminhados para análise e emissão de parecer dos órgãos orçamentários do Executivo. O texto também não prevê um rito para isso.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) usa trechos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da LDO de 2020 (como prever uma forma de compensar a perda de receita) para vetar medidas aprovadas pelo Congresso, alegando incompatibilidade com as normas de preservação das contas públicas. Se o projeto das diretrizes orçamentárias de 2021 permanecer dessa forma, o presidente poderia usar os dispositivos questionados para derrubar projetos aprovados no Congresso sem os pareceres do Ministério da Economia e que não seguiram o processo defendido por Guedes, afirma um dos autores da nota técnica. O Congresso tem o poder de modificar a proposta de LDO do próximo ano.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ainda não marcou a votação desse texto. Em outro trecho do documento, a área técnica do Congresso ainda questiona a legalidade de outra inovação feita pela equipe econômica ao propor uma meta fiscal flutuante para 2021. Diante das incertezas sobre o futuro da economia, o time de Guedes pediu autorização para ajustar essa obrigação do Orçamento ao longo do tempo se as projeções de arrecadação sofrerem mudanças.
A nota técnica do Legislativo afirma que o mecanismo é inócuo para a gestão fiscal e ressalta que a medida parece não atender às exigências impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O documento ainda diz que a regra pode constituir infração administrativa porque a LDO foi apresentada sem conter as metas fiscais na forma da lei.
Pela proposta do governo, a meta não terá valor fixo e partirá das estimativas definidas pelo teto de gastos, regra que limita as despesas públicas à variação da inflação. Esse valor será descontado das receitas projetadas para o ano pelo governo. Na prática, se a projeção de receitas cair, a meta será afrouxada, com permissão para um rombo maior.
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil