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Após frustração, brasileira faz vaquinha por chance em futebol dos EUA

Aos 15 anos de idade, Joane Ribeiro sonhava em se tornar jogadora de futebol em Santa Catarina, quando chamou a atenção de uma agência de recrutamento que oferece bolsas esportivas em instituições de ensino dos Estados Unidos. ALBERTO NOGUEIRA E BRUNO RODRIGUES/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) Além da oportunidade de fazer o ensino médio no país, […]
RIO DE JANEIRO, RJ, 31.08.2020 – FUTEBOL-FEMININO: Partida entre Flamengo e Corinthians, válida pelo Campeonato Brasileiro série A 2020, realizada no estádio Giulite Coutinho, no Rio de Janeiro, na noite desta segunda-feira (31). (Foto: Dikran Junior/Agif/Folhapress)

Aos 15 anos de idade, Joane Ribeiro sonhava em se tornar jogadora de futebol em Santa Catarina, quando chamou a atenção de uma agência de recrutamento que oferece bolsas esportivas em instituições de ensino dos Estados Unidos.

ALBERTO NOGUEIRA E BRUNO RODRIGUES/SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Além da oportunidade de fazer o ensino médio no país, poderia sonhar com uma carreira promissora onde a modalidade é muito mais valorizada que no Brasil. O acordo, porém, era de uma bolsa apenas parcial, e sua mãe não teria como arcar com todos os custos restantes de mensalidades e permanência da filha nos EUA.

A desilusão com a chance perdida, somada às experiências ruins que acumulou na modalidade, levaram Joane a um rompimento brusco com o futebol. Dos 18 aos 22, foram quatro anos sem qualquer contato com a bola. Até que ela viu, em 2019, uma segunda oportunidade de realizar o desejo de jogar e estudar fora, desta vez em uma universidade. O empurrão veio após visitar uma amiga de infância que estava se preparando para atuar no futebol universitário dos Estados Unidos.

“Fui visitá-la e fiquei pensando: ‘Queria que acontecesse comigo’. Voltei para Florianópolis, falei isso para a minha namorada e ela disse para eu procurar empresas que fizessem esses intercâmbios. Achei essa agência, a mesma que a minha amiga fez, entrei em contato com eles e me disseram que poderiam auxiliar. Seria minha última tentativa”, diz Joane, com 23 anos atualmente, à reportagem.

Desde que começou a bater bola em Jaraguá do Sul, onde nasceu, ela alimentou o desejo de ser jogadora, mas sua trajetória somou frustrações que a desencorajaram a seguir sonhando com um futuro nos gramados. Quando era pequena, viu seus pais se divorciarem e o contato com o pai, que já era ausente, ficar ainda mais distante. Sua mãe, Ivone, 55, foi a responsável por criá-la ao lado do irmão mais velho. Dela, recebeu sempre incentivo para continuar jogando.

“O primeiro esporte dela foi o xadrez. Foi campeã estadual sub-8 em Santa Catarina. Mas largou para jogar futebol. Quando ela largou o xadrez para jogar futsal teve muito preconceito por ser menina, mas eu sempre apoiei muito. Desde novinha mostrava muita aptidão com a bola “, conta Ivone. Em Santa Catarina, a menina que jogava entre os meninos chegou a treinar no time de futsal infantil da Malwee, mas precisou se mudar para Belo Horizonte em razão de um novo emprego da mãe, que é técnica em edificações.

Na capital mineira, ganhou uma bolsa integral para que defendesse o time de um colégio particular. A oportunidade, contudo, durou pouco tempo.

“Perdi minha bolsa por preconceito homofóbico, porque eu conheci minha primeira namorada lá [no colégio]. Minha mãe foi sempre muito aberta, mas quando ela recebeu a notícia foi muito difícil, porque eu perdi a bolsa e tive que me assumir nesse cenário conturbado. A separação dos meus pais também era muito recente ainda”, diz Joane.

Depois, Joane foi a Joinville, mas as condições para atuar pelo time da cidade não eram as melhores. Voltou à casa da mãe em Minas Gerais e recebeu nova oportunidade, desta vez em Blumenau. Foi a última experiência frustrada antes do rompimento com o futebol.

“Eu sempre bati muito de frente com os técnicos, eles me viam como uma pessoa problemática. Em Joinville, eram dez meninas em uma casa com um único banheiro. Comíamos pão francês e steak de frango, que é frito, todos os dias. Era muito ruim”, afirma Joane, que também atribui ao fato de ser lésbica os atritos com alguns técnicos.

A partir da desistência do futebol, chegou a cursar as faculdades de Jornalismo e Psicologia, mas largou ambas. Trabalhou como auxiliar administrativa, cuidou da agenda de um estúdio de tatuagem e passou por uma loja de departamentos até o contato com a agência que ajudou sua amiga a ir jogar nos Estados Unidos.

Parte da matrícula foi paga pela mãe, mas as mensalidades ficaram por conta de Joane. De junho a dezembro de 2019, a catarinense passou por um período intenso de treinos para retomar a parte física e o contato com a bola depois de quatro anos sem dar um passe. Hoje, divide os treinamentos com o trabalho diário de garçonete e freelas como fotógrafa.

Joane calcula ter enviado aplicações para cerca de 300 universidades norte-americanas. Recebeu uma resposta positiva da Westcliff University, da Califórnia, que ofereceu a ela uma bolsa parcial. Depois da frustração aos 15 anos, quando não conseguiu viajar aos Estados Unidos, ela não quer perder mais esta oportunidade. Por isso, lançou uma campanha de financiamento coletivo, a popular “vaquinha”, para arrecadar fundos.

A campanha já arrecadou pouco mais de R$ 17.400 e, sem uma data limite, poderá receber contribuições permanentes. Sua mãe também está tentando um empréstimo, que serviria de garantia para que ela viaje com maior segurança financeira. Mesmo com a bolsa, ela prevê que terá de investir, basicamente entre mensalidades e moradia, cerca de US$ 12 mil dólares (R$ 60 mil) no primeiro ano, quando deverá se dedicar exclusivamente aos estudos e ao time de futebol da universidade. Sua viagem aos Estados Unidos está marcada para outubro.

“Quando ela quer uma coisa, ela corre atrás. No primeiro momento, eu fiquei receosa [com a vaquinha], porque ela ia se expor demais. Infelizmente, o preconceito no Brasil fala mais alto. Mas eu pensei bastante e falei: ‘Quer saber? Ela está certa’. Comecei a mandar o vídeo para quem eu conheço, para quem eu não conheço… A gente está na luta”, afirma a mãe, Ivone.

A catarinense, lateral esquerda e fã da norte-americana Megan Rapinoe por suas qualidades técnicas e sua militância, parte em outubro para os Estados Unidos, onde cursará negócios com foco em esporte. “Todo dinheiro que entra na vaquinha é um alívio, uma esperança de que vou conseguir. Se eu não seguir carreira no futebol como atleta, vou seguir no futebol de alguma forma. Quero abrir portas para outras mulheres, ocupar espaços”, completa Joane.

Foto: Agif/Folhapress

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